Baixada Cuiabana é área estratégica para debater Lei Rouanet
A Baixada Cuiabana foi a escolhida pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), órgão colegiado que subsidia o Ministério da Cultura (MinC) nas decisões sobre proposta à Lei Rouanet, para visitas técnicas a quatro projetos culturais contemplados pela lei de incentivo à cultura, na última semana. Na oportunidade, as organizações civis destacaram a importância de tal norma para a realização de seus projetos.
A primeira organização social civil visitada foi o Instituto dos Cegos de Mato Grosso (Icemat), que atende gratuitamente a 350 alunos, com atividades que vão da estimulação de bebês à qualificação, passando por formações formais e orientação e mobilidade. Para desenvolver atividades culturais, o Icemat conta com recursos provenientes da lei federal de fomento indireto. “A cultura se faz presente aqui no instituto através de manifestações culturais de dança, coral, música, literatura, teatro, o que faz a pessoa com deficiência se sentir feliz”, contextualiza o presidente da instituição, Udeilson Cézar de Arruda.
“O impacto [dos recursos da Lei Rouanet] é totalmente positivo. O Instituto, ao longo desses 45 anos, já desenvolve o trabalho cultural e o acesso à Lei Rouanet é uma esperança de dar mais dignidade e condições para todos os participantes”, contextualizou.
Compondo a CNIC Itinerante em Cuiabá, vieram 30 integrantes de vários estados brasileiros e representantes do MinC. Além das visitas técnicas, a programação contou com o Fórum de Incentivo à Cultura, cujo tema da edição de Cuiabá foi “O Agente Cultural e a Lei Rouanet”, organizado pela Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural (Sefic) do MinC e pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Secel/MT).
Para Sandra Rodrigues, membra titular da bancada de música da CNIC, “é uma oportunidade única cada vez que a gente vai numa CNIC Itinerante, por você poder vivenciar cada um dos projetos, porque, se não, o trabalho na comissão fica muito frio, muito distante e quando a gente vem para cá, a gente é relembrada do porquê fazer cultura, do porquê estar com pessoas”. Ela registra também que é o momento de conhecer a realidade e a condição humana daqueles projetos que são materializados em textos e anexos.
Demilson Sidney Pereira perdeu gradualmente a visão e há dois anos é um dos alunos do Instituto dos Cegos de Mato Grosso. Antes disso, ele narra que sofreu depressão e levou um tempo para se readequar a uma vida que depende dos outros sentidos, especialmente no quesito mobilidade. “Encontrei apoio aqui e hoje eu visto a camisa do instituto e estou colaborando no segmento teatro. Eles me deram apoio, companheirismo, palavras amigas. Agora, estou aprendendo o braile, como atuar no teatro e a locomação. Hoje eu posso sair na rua sozinho, graças à orientação de mobilidade. Estamos aprendendo também a ser mais sociáveis”, conta.
Além do Instituto dos Cegos, a comitiva da CNIC visitou o Centro Cultural Nede Clemente Lemes, no distrito de Limpo Grande, em Várzea Grande, onde estão expostos produtos artesanais feitos por 50 mulheres da Associação das Redeiras de Limpo Grande; o Centro Cultural Em Cena Escola de Artes, um Ponto de Cultura definido pelo MinC; e o Instituto Ciranda – Música e Cidadania, localizado no prédio histórico Casa de Bem Bem, em Cuiabá. Todas as iniciativas recebem fomento indireto por meio da Lei Rouanet.
O Instituto Ciranda
Quando a comitiva da CNIC chega de surpresa à Casa de Bem Bem, no Centro Histórico de Cuiabá, turmas de alunos de vários instrumentos de orquestra estão ensaiando, distribuídas dentro da unidade e no vasto quintal cuiabano. O Instituto Ciranda – Música e Cidadania é uma organização social civil de interesse público (oscip) e oferece cursos de música gratuitamente para 800 alunos, em quatro polos mato-grossenses.
“Para a gente, é grande a importância de vocês virem aqui e verem in loco [o nosso trabalho], porque esse diálogo, quanto mais próximo a gente conseguir ter, é muito importante, porque é uma luta [se manter]! […] É um desafio oferecer uma escola pública de música, pelos desafios basilares de desenvolver a arte como um todo, principalmente aqui em Mato Grosso”, desabafa a diretora de Desenvolvimento Institucional, Jéssica Gubert.
Os alunos recebem, para estudar, uniforme, material didático, instrumento musical, aulas teóricas, técnicas e práticas, ensaios e apresentações em orquestras, até a profissionalização. O instituto oferece, atualmente, cursos de cada instrumento que compõe uma orquestra.
“E a gente consegue tudo isso por meio de parcerias diversas, mas a mais fundamental e a que emula outras parceiras, ou seja, que o empresário tenha condições de fazer um aporte para o Instituto é a Lei Rouanet. Dentro desse contexto da lei, a gente está há quase uma década trabalhando e foi o que permitiu a gente dar um próximo passo no sentido de ter uma instituição que tenha condições mínimas para pensar num programa estruturado administrativamente, pedagógico, com complience instaurado e ter condições de ter uma continuidade”, enaltece o maestro Murilo Alves, presidente da instituição.
Alves ainda destaca: “A Lei Rouanet é fundamental para o desenvolvimento, eu nem digo da cultura e da arte, mas o desenvolvimento humano e pleno de nosso país”.
Rota da Ancestralidade
Para encerrar o dia de visitas técnicas, a comitiva do MinC e da CNIC conheceram a Rota da Ancestralidade de Cuiabá, um passeio pedestre pelo Centro Histórico, para valorizar a contribuição dos povos afro-brasileiros e indígenas na história e na cultura cuiabanas.
A Rota da Ancestralidade marca sete pontos históricos construídos ou ocupados por pessoas escravizadas e a comitiva conheceu três: o largo do Rosário (Igreja de Nossa Senhora do Rosário e Capela de São Benedito), o Museu de Imagem e de Som de Cuiabá (Misc) e a Praça da Mandioca – onde foi um dos pelourinhos da capital mato-grossense.
“Eu me perguntava, quando criança, toda vez que eu passava por aqui [Igreja do Rosário], ‘onde está o meu povo?’”, contextualizou o Cristóvão Luiz, idealizador da atividade de afroturismo. “Saímos na rua para entender, compreender, cheirar, rir e sentir um pouco dessa cicatriz na alma”.
A iniciativa ainda não tem financiamento público para a realização e é feita de forma voluntária, contando com alguns parceiros. A inclusão de tal atividade na visitação da CNIC teve o objetivo de mostrar importantes ações culturais de Cuiabá. Para a coordenadora do escritório do MinC em Mato Grosso, Lígia Viana, “foi uma ação acertada e que gerou grande reflexão sobre as ações afirmativas. Nós fomos o primeiro estado com agendas de potencialidades da cultura para a Lei Rouanet”.
A Lei Rouanet
A Lei nº 8.313/1991, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), conhecida como Rouanet, prevê o chamado fomento indireto, ou seja, o Ministério da Cultura avalia e aprova um projeto e o produtor cultural (proponente) recebe uma autorização para captar empresas ou pessoas físicas patrocinadoras, que terão sua marca vinculada à iniciativa e, para isso, custearão a proposta, tendo, todavia, o valor investido descontado de impostos federais devidos.
A norma, portanto, é uma política pública federal e, além de seguir critérios rígidos de aprovação e prestação de contas, busca distribuir os recursos de maneira mais democrática e plural possível.
O órgão que representa o MinC na avaliação desses projetos é a CNIC, que aproveita a itinerância programada para estabelecer um canal direto com agentes culturais.