Confira as fases que tornaram o teatro de MT uma das maiores referências do Brasil
Berço de uma vibrante cena teatral e alimentada por grupos comprometidos com a expressão artística e a transformação social, Cuiabá, desde o período colonial, no século 18 – registra espetáculos teatrais.
Junto a músicos, atores e artistas plásticos de todos os tipos, o teatro trouxe muito dos oceanos que atravessou, mas também se entranhou às expressões vividas com todos os povos juntos, aqui, em terras tupiniquins.
Mais do que isso, foi também o lugar que mais se produziu teatro em todo território brasileiro no período de fundação da cidade. Quem faz esta afirmação é o produtor cultural e direto teatral, também fundador da Cia Cena Onze, Flávio Ferreira.
“Havia todos os tipos de apresentações por aqui, a cultura transbordava de todas as maneiras, mas principalmente pelo teatro. Cuiabá recebeu muita gente neste período por conta da febre do ouro e uma das formas de entretenimento para tanta gente eram peças teatrais que não acabavam mais“, relata.
Flávio é autodidata no teatro e atua nas artes cênicas desde muito jovem, antes mesmo dos anos 70, e viveu diversas fases históricas com direito as suas transformações. “Na ditadura, ainda, muitas construções foram erguidas, não apenas nas casas para espetáculos, mas todo tipo de obra – no entanto, quando se findou este período, houve um rompimento desses investimentos também. Foi aí que o teatro passou a viver outra fase“, lembra.
O Cena Onze nasceu em 1989 e, desde então, participa de diversas iniciativas culturais. Além desta cia, ao longo dos anos, diversos coletivos emergiram ao deixar uma marca permanente na capital mato-grossense.
Combate a Xenofobia
Seja com palcos improvisados, tablados no meio das ruas, nas conhecidas Casas de Ópera ou Casas de Comédia, a história da cuiabania é atravessada pelo teatro. Com o passar dos séculos e diferentes companhias que se consolidando, é preciso mencionar o marco das apresentações de rua na cidade, que romperam com a esfera elitista – e reafirmaram a identidade popular dos cuiabanos.
Vale ressaltar o primeiro grupo de teatro de rua na Capital, que surgiu em meados dos anos 80, o Gambiarra. Ele era formado por figuras como Liu Arruda, Ivan Belém, Meire Pedroso, Claudete Jaudy, Vital Siqueira, Mara Ferraz e Augusto Prócoro. O linguajar dos cuiabanos mais tradicionais neste período da história, ganhou ampliação de voz, personalidade, várias caras e caracterizações.
A marginalização do linguajar e dos costumes ainda era latentes, inclusive, porque Cuiabá recebia muita gente da “cidade grande”, desta maneira, os costumes do cuiabano passaram a ser defendidos por personagens como Comadre Nhara, de Liu Arruda, com temperamento forte e que criticava a mania insistente dos filhos Ramona e Glandstone em quererem se “americanizar”. Liu criou mais de 40 personagens cuiabanos com viés regionalista e, com eles, ajudou a combater a xenofobia.
Luta contra a censura
Outro nome importante na história do teatro mato-grossense, que também foi responsável por conectar as artes do centro oeste ao mundo, é o de Amauri Tangará. Ele, além de ator e diretor teatral autodidata, também se tornou roteirista, dramaturgo e cineasta. Amauri se mudou para Mato Grosso nos anos 70 e, primeiro, se instalou em Tangará da Serra.
Foi em 74 que ele junto a outros amantes do teatro fundaram o primeiro grupo teatral de Tangará e, de forma independente, cresceram rápido. “Não tínhamos acesso, TV, nada do tipo e começamos a produzir pecas muito modernas, sem cortinas, que começava no meio do público. Era uma loucura”, lembra.
Com peças neste estilo eles circularam por toda aquela região, como Arenapólis, Diamantino, Barra do Bugres e Rosário Oeste. Em 1978, com a peça ‘Preço’, viajaram pelo Nordeste em cidades como São Luiz do Maranhão, Piauí, Ceará e foi no festival de Campina Grande, na Paraíba, que na época era o maior festival de teatro que havia no Brasil, que eles começaram a ser reconhecidos. “Neste festival encontramos Eneida Maracajá, Pascoal Carlos Magno, João Francisco Guarnieli, que são grandes ‘figurões’ do teatro brasileiro. Nosso espetáculo lá foi um sucesso. Desde então, não paramos mais“, lembra Tangará.
Nos anos 80, Amauri se mudou para Cuiabá e fundou a Federação Mato-Grossense de Teatro Amador (FEMAT). “A FEMAT regulamentava festivais da periferia de Cuiabá e cidades do interior, eram grupos de teatro que faziam trabalhos muito políticos e ligados a questão de combater a ditadura da época, tive um espetáculo chamado ‘Sol Nosso de Cada Dia’ e tive a casa invadida pela policia por causa de uma frase que a gente falava durante o espetáculo. Havia uma censura terrível e nós fazíamos o trabalho de contar tudo isso”, descreve.
A Federação cresceu e, ainda nos anos 80, eram mais de 30 grupos filiados. Foi entre 84 e 85, que Amauri montou o espetáculo ‘Dança dos Tangarás’, e com este festival o grupo percorreu os grandes festivais do Brasil. “Ganhamos prêmios em todos eles. Na época, no Festival de São José do Rio Preto, dos dez prêmios do festival, ganhamos oito. Finalizamos essa peça no Teatro Cacilda Bequer, no Rio de Janeiro“, enfatiza.
Algum tempo depois, conheceu Tati Mendes, hoje sua esposa, e com ela montou Cafundó – Onde o Vento Faz a Curva. Com este trabalho, estrelaram por três continentes a peça que completa 35 anos de espetáculo e mais de 1500 apresentações. Hoje, Mato Grosso vive uma nova era, continua repleta de talentos formados em Cuiabá ou fora do Estado, mas que atuam por aqui, criam novas cias ou integram as que já existem.
Novo momento
No novo momento, vale ressaltar também a importância da criação do MT Escola de Teatro, que existe há sete anos, como uma política pública que transforma cada vez mais a realidade da rede produtiva das artes cênicas em Mato Grosso, com a formação de profissionais de todos os gêneros, desde os que atuam nos palcos, realizam espetáculos, produzem, iluminam, formam público ou constroem projetos.
Para a secretária-adjunta da Secretaria de Estado e Cultura Esporte e Lazer, Keiko Okamura, esta iniciativa promove além de acesso, a descentralização. “Dentro do aspecto da economia criativa, também identificamos este setor como dos grandes potenciais de desenvolvimento econômico, dessa forma gera emprego e renda, amplia a produção de produtos culturais o acesso da população e fomenta a cultura como um todo“, finaliza.
O teatro Mato-Grossense é referência política, social e histórica. Em criatividade e inovação, com excelência em produções século após século. Evoé!