Multiartista: cigana da etnia Calon efervesce dança e teatro em Cuiabá
Herança ancestral, liberdade, autoconhecimento e uma cultura vibrante, marcada por música, dança, teatro, artesanato e tradições orais, além dos laços familiares e comunitários fortes. Essas são algumas definições do povo cigano, com diferentes etnias, além de um grupo cultural distinto que vive em todo o mundo.
Nascida de um pai artista, cujas habilidades transcenderam as fronteiras do circo, do teatro e da música, Jaqueline Roque, uma mulher cigana, de 33 anos, pertencente à etnia Calon, herdou a herança da criatividade e da expressão artística, tão importantes para a cultura do seu povo. Em Cuiabá, Jaqueline dá aulas de dança cigana e faz atendimento com baralho cigano.
“Trago comigo a riqueza e a tradição de ser uma mulher cigana, pertencente à etnia Calon. Desde que me conheço por gente, chamo Cuiabá de lar, cidade que acolheu não apenas minha chegada ao mundo, mas toda a jornada da minha família”, diz Jaqueline em entrevista ao Cuiabá Tem.
A família de Jaqueline, como muitas outras, encontrou nas carroças e na estrada o seu lar. Levando música cigana para os corações das pessoas nas praças, circos itinerantes e nas ondas de rádio, os pais de Jaqueline vieram parar em Cuiabá, onde a artista nasceu e viveu com os pais e as sete irmãs, uma de cada cidade, cada uma com um testemunho vivo da vida nômade.
Como é comum entre os ciganos Calon, a subsistência era baseada na venda de artesanatos e na troca de cavalos, que mais tarde se tornaram carros. Em Cuiabá, a família de Jaqueline encontrou um dos obstáculos mais comuns para o povo cigano, o preconceito religioso e cultural.
“Em uma reviravolta do destino, durante uma dessas viagens, meu pai foi abordado por uma igreja protestante enquanto vendia seus artesanatos na calçada da igreja matriz de Cuiabá. A oferta de abrigo e alimentação em troca de conversão foi aceita, mas trouxe consigo um fardo pesado: o apagamento cultural. Meu pai foi forçado a abandonar nossas tradições, idioma e religiosidade em prol da nova fé”, conta a artista.
Mas como todo cigano, Jaqueline nasceu artista, destinada a expressar a essência através da arte. Sua jornada pessoal teve seus desafios, como um casamento arranjado aos 17 anos, que ela classifica como “uma tentativa de sufocar a alma livre e rebelde”.
“Esse casamento serviu como um catalisador para minha busca pela liberdade e pela preservação das tradições ciganas. Busquei minhas raízes, reencontrei familiares, reaprendi nosso dialeto, o chibe calon, e me aprofundei no estudo das danças ciganas ao redor do mundo”, pontua.
Hoje, após 16 anos dedicados à arte, Jaqueline se vê como uma artista completa, trilhando caminhos no teatro e na dança. No Teatro Imagem, companhia que fundou em 2011, conquistou reconhecimento e prêmios em importantes festivais, celebrando sua habilidade como dramaturga, diretora, figurista e atriz.
No entanto, é na dança cigana que a artista encontrou sua verdadeira paixão e a uma profunda comunhão com a rica herança ancestral do seu povo, o que despertou um processo de cura interior, que fortaleceu e auxiliou nosso processo de autoconhecimento, rumo a liberdade corporal.
“Sinto a possibilidade de transformar não apenas minha vida, mas também a vida de outras mulheres. A dança cigana não é apenas técnica, é uma conexão profunda com nossa ancestralidade e com o poder intuitivo que habita cada uma de nós. É uma imersão na autodescoberta e empoderamento. A dança nos incentiva a estabelecer uma conexão profunda com nossa própria essência, permitindo-nos liberar emoções reprimidas, despertar nossa sensualidade e reconhecer a beleza singular que habita em nossos corpos”, finaliza Jaqueline.
Para conhecer um pouco mais o trabalho da artista, basta acessar AQUI a página dela do Instagram.